quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Por Que Poucas Mulheres Gostam de Cyberpunk?

Poucas mulheres curtem cyberpunk. Fenômeno observável pelo pouco número de autores e pensadores do sexo feminino que discutem a respeito.

Ainda que tenhamos excelentes pensadoras, como Donna Haraway e a brasileira Adriana Amaral (por exemplo com ESTE ARTIGO , ainda são uma estranha minoria discursando, jogando, lendo e pensado sobre o tema.

De modo geral, comparativamente, poucas mulheres curtem jogos de RPG, jogos de tabuleiros e ambientações medievais, também, mas, no caso de Cyberpunk acho esse um vazio a ser lamentado.

Em primeiro lugar, porque, em termos de massa crítica, quanto mais pessoas discutem um tema, mais ele produz idéias potencialmente interessantes. Discursos são gerados, idéias são ampliadas e, mesmo no caso das bobagens eventualmente ditas, material de pesquisa e análise sempre pode ser disponibilizado em situações assim.

Em segundo lugar, e mais importante para este texto, para mim Cyberpunk  é interessante do ponto de vista de definição de corpo e ser-humano, uma discussão levada a extremos extremamente ricos por Haraway, que com um feminismo nada convencional foi uma perrcursora na análise dos corpos, sobretudo femininos, e seu papel "designado" pela tecnologia e ciência.

Análises como as feitas no "Manifesto Cyborg" (dica, LEIAM!), definido por ela própria como um tanto irônico, mas um texto poderosíssimo no ramo das idéias, apontam um potencial, dentro do cyberpunk, para discussões de gênero, ainda que primariamente acadêmicas, com horizontes vastos.

A internet, playground para muitas das idéias mais criativas da literatura cyberpunk, é um grande seio, bom e mal, dependendo do site visitado, que abriga, conforta e alimenta. E, ainda que nesta pequena metáfora um tanto reducionista do gênero feminista (me desculpem um pouco de machismo aqui), é uma figura muito mais maternal, do ponto de vista freudiano, do que paternal.

Independentemente disso, permanecem os corpos. Adulterados, cheios de fios e chips, clonados, surrados, usados como objeto, desarticulados dentro de uma sociedade de neon e caos, que só podem ser entendidos se ambos os gêneros forem incluídos na discussão.

Escritores-homens tem o péssimo hábito de discutir ginóides e o corpo-objeto, rotineiramente tratando o sexo e  o gênero como perfumaria. Ainda que discussões dali sejam paridas, a visão masculina do corpo, sobretudo do corpo feminino, ainda é simplória em demasia. Perdoem-nos.

Em uma literatura que produz personagens femininos extremamente inovadores, como Molly Millions (Neuromancer), a Y.T. (Snowcrash), Laura Webster (Piratas de Dados) ou a Major Motoko Kusanagi"(Ghost in The Shell), há ainda um certo ranço, uma certa dificuldade de se trazer personagens femininas como algo um pouco mais complexo na maior parte da literatura produzida. Sem falar na Rachel de "Blade Runner" (filme) que é fora de escala de bacanice. Há outros exemplos, mas deixemos a lista assim.

Se os grandes clássicos de Cyberpunk TEM personagens femininas fortes, ainda que escritos por homens, é porque algum espaço para se fazer mais e melhor há. Sobretudo, é ´porque, em algum ponto, as mulheres talvez tenham mais a dizer do que vem ocorrendo, a partir do tema.

Aliás, em muitos casos, as mulheres parecem ser usadas somente como "material masturbável", uma objetificação nada simpática. Vide a loira exterminadora de T3.

Alguns dos problemas que me parecem existir tem a ver com:

1) Excessiva testosterona e cenas de ação. Ainda que Cyberpunk envolva, rotineiramente, cenas e situações que descambem para a violência, ele é muito mais do que isso. Um tiroteio ou cena de perseguição bem-feitos agradam, de vez em quando, mas a associação de cenas de ultra-violência, ainda que parte do público feminino se divirta com isso, com o gênero pode ser um dos fatores de afastamento.

Como parte do marketing de cyberpunk sempre envolve cenas de ação, é possível que este fator traga mais atenção para homens do que para mulheres. O que é uma pena, realmente.

As mulheres tendem a ser apresentadas como corpos desejáveis, objetos de admiração, mesmo quando, no caso de Ghost In The Shell, por exemplo, isso tenha uma razão de ser muito mais profunda do que a aparência leve a crer (A Major vive em um corpo robótico, e por isso é esteticamente belo, mas ela luta contra o sexismo reducionista durante todo o momento, basta ver a relaçõe complicada dela com o Batou).


2) Tecnologia = Mundo dos Homens:  Cyberpunk é um gênero que se alimenta de tecnologias. E há a falsa ideia de que homens sejam extremamente ligados à tecnologia e razão, enquanto as mulheres sejam deixadas com a imaginatividade. Esse tipo de ideia é uma bobagem que nossa sociedade ainda reproduz. Robôs , representantes da razão para meninos, pôneis, encantados e idílicos para meninas.

Besteira! Pensem nos antigos mitos: Hera, por exemplo, não tinha apenas a função de "protetora da família", mas era a organizadora real e concreta da vida prática dos deuses. As mulheres, historicamente, sempre foram socialmente muito mais "pé no chão" do que os homens. Eram elas que ficavam para segurar as pontas durante as caçadas e as guerras, eram elas que cuidavam da vida prática de educação dos filhos e gerenciamento de recursos, são elas, hoje, extremamente iguais (exceto no salário) de executivos homens, e capazes de lidar (isso é biologia) com mais informações ao mesmo tempo do que o cérebro masculino o faz.

Mulheres são mais cyberpunks do que nós, homens. São extremamente sagazes em redes sociais, autoras, blogueiras, jornalistas, pesquisadoras e divulgadoras da ciência eficientes. Elas são, usando a velha piadinha (da qual eu gosto e não acho ofensiva, mas se acharem, ´peço desculpas) digitais até na masturbação.

Ainda assim, mesmo sendo bobagem, seja como for, isso parece que dificulta um bocado a geração
de interesse de leitoras e escritoras para este tipo de ambientação.

Faça uma busca na internet usando "cyberpunk" e "women" Já dá para ter uma idéia de como ainda há uma prevalência meio machista no meio, o que é uma pena. Se bem que confesso que foi melhor do que eu esperava.
3) Só isso. Mesmo quebrando e muito a cabeça, não consigo pensar em quaisquer outros motivos a maioria dos cyberpunkers ser do gênero masculino. A sexualidade encontra um ambienta altamente favorável para discussão e exploração dentro do Cyberpunk , as questões de papéis sociais, exploração, domínio do corpo, sensualidade, romance (sim, cyberpunk tem um climão noir, afinal) e de tecnologia sob um ponto de vista mais amplo (e não apenas brinquedinhos para se "compensar algo") são poderosos aqui.

Como proposta, então, fica a sugestão de apresentarem cyberpunk a mais mulheres. Amigas, mães, namoradas. Não apenas o estilo "dedo no gatilho" que em geral apresentamos, mas histórias um pouco mais inteligentes em nossas mesas, com discussões mais aprofundadas a respeito de corpo e gênero, com mais relações e interações sociais, com uma visão mais ampla do feminino que somente "gostosa para ser resgatada", mas com um tipo de personalidade mais profundo e marcante.

Ps: Pelo simples fato de ser um homem, meu texto já é um bocado contráditório. Assim sendo, quem tiver, por favor, textos ou links de mulheres ou sobre mulheres em cyberpunk, já ajuda muito.
Deixem nos comentários.
Abraços

Brega, the Presley 

3 comentários:

  1. interessantíssimo ponto de debate, parabéns.

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  2. Legal, fui ver agora meu comentário e ele não estava aqui XD. Bem, vamos lá outra vez.

    Como você sabe, não sou um grande conhecedor de cyberpunk e nunca foi muito a minha área, mas estou vendo muita coisa interessante nos últimos dias e aprendendo mais sobre. Esse seu texto aqui é muito bom, muito interessante, por vários motivos.

    Primeiro, apontar personagens fortes já existentes é algo muito, muito bom mesmo. E muitas das personagens fortes (como Y.T. e Major Makoto) não são relevantes "comprando" o estereótipo "atraente". Podemos ver o feminino de forma polissêmica e tensa, complexa.

    Segundo, porque a questão da testosterona x ação é bem comum na crítica do mundo pop pós-60. Daí temos uma suposta maior atração das mulheres aos contextos não-violentos e mais fantásticos, mágicos, etc. Até que ponto isto é coerente? Veja, as mulheres não sendo "atraídas" por cenários "supostamente violentos" e indo para mundos de alta fantasia com magias, cervos brilhantes e elfos não é justamente dizer "que o lugar delas é ali"? Desconstruir isto com a presença de mulheres também marciais é muito importante, bem como traçar o sentido oposto, de homens menos agressivos.

    Terceiro, fazer uma análise social a partir de representações de divindades (como Hera) é porreta demais. Lembra a questão dos arquétipos que Jung usa para pensar mitologia. Pô, mas tu é da área ¬¬"... ai ai ai... olha eu pagando mico aqui. Foi show de bola!!! E mais ainda quando aponta elementos que quebram o universo cyber como puramente masculino.

    Em suma, um bom texto que daria várias reflexões. Mas quero conhecer mulheres que produzem e consomem cyberpunk, mas acho que rolaria um papo legal com Lidia Zuin & Mein Weise... Não sabe quem são? Olha só esse artigo aqui:http://www.outracoisa.com.br/2011/08/09/o-cyberpunk-e-suas-musas/

    E o perfil dela no aolimiar -> http://aolimiar.com.br/colaboradores/lidia/info/

    Ia ser legal uma entrevista/bate-papo, aumentar a network, não?

    ^(•)_(•)^ - Tio Valpaços, connecting people

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  3. Pois é Jorge (só vi teu comentário agora, e não apaguei o anterior), ainda mantenho a minha estranheza. Conheço a Lidia Zuin , mas não a Mein Weise.Mas continua a me surpreender que o gênero cyberpunk atraia ainda pouco o gênero feminino. Dos sem-conta livros e contos que li, os escritos por mulheres, por exemplo são franca minoria.

    Ainda que uma analise subjetiva, me surpreende que mais mulheres não falem, escrevam e leiam sobre ou tema.

    E não digo isso como desrespeito, mas por surpresa, mesmo. para mim Cyberpunk é muito mais um subgênero de Scifi que dá margem para discussões de relações de gênero, identidade sexual e opressões sociais que a imensa maioria dos disponíveis.

    Tenho o desejo de ver mais autoras desbravando narrativas neste cenário. O que tem é excelente, mas ainda é pouco perto do potencial que existe.

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