sexta-feira, 26 de abril de 2013

Batman Cyberpunk: Cavaleiro das Trevas (1 de 2)


Batman é um dos maiores super-heróis da história. E, para seu mérito, sem ter, de fato, "super-poder" algum.

Em essência, a Era dos Supers, que começou com o "Nietszcheniano" Super-Homem, sempre discutiu, de algum modo, o que nos faz humanos (ou super-humanos).

 Sugestão? Deixa a musica rolando, ela não é original do filme, mas siom do Batman, só é legal de ouvir enquanto lê o texto 

Bruce Wayne, surgido pouco tempo depois de Clark Kent,  era o alter-ego milionário de Batman (criado por Bob Kane e o nem sempre citado Bill Finger), que, por sua vez, foi possivelmente teve parcial influência do filme chamado "Morcego Humano" de 1926. (o filme, mudo, está em domino público, e a quem se interessar, pode ser assistido aqui: The Bat).

Depois de várias fases e fezes com o personagem, a década de 1980 trazia para ele e para a Editora DC Comics maus bocados e uma série de histórias que pareciam contradizer umas às outras. A solução, a série "Crise nas Infinitas Terras", uma das poucas maxis a realmente funcionarem, trouxe frescor aos personagens da editora, e em especial ao Homem-morcego.

Neste clima, com séries como Watchmen saindo do forno, saia "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (BCV), de Frank Miller, uma obra-prima. A série jogava Bruce Wayne como um homem envelhecido e com problemas de junta (junta tudo e joga fora)em uma Gotham City ainda mais violenta e caótica.

A aventura, em quatro partes, usa com muita propriedade, visuais cyberpunk, que estava em voga no período, e transforma o ambiente "conhecido" da cidade em um terreno fértil para novas soluções.

Politica & Economia:
Enquanto cyberpunk "clássico" tende ao alinhamento político de esquerda, com pesadas críticas sobre o sistema e a violência decorrente de políticas econômicas quase medievais em termos de direitos humanos, BCV  é um oposto disso, com uma defesa de uma agenda de direita, para os padrões de hoje, bastante clara.

Isto é sentido nos discursos feitos pelos reporteres e pelos próprios médicos que acreditam que um ser-humano é corrompido pela sociedade, mas pode se redimir, enquanto Batman "sabe o mal que se esconde no coração dos homens" (citação obriogatória de O Sombra) e acha que a coisa só se resolve na base dos sopapos. Há também uma crítica a um general que vendia armas a grupos terroristas, que convenientemente, adquire uma súbita crise de conciencia e se mata, e é honradamente embrulhado na bandeira americana (junto com meu estômago) em uma cena dispensável no gibi. Nem tudo é perfeito.

Há questões, no entanto, críticas à propria direita, com um Presidente Reagan e o patriotismo descabeçado do "Escoteiro Azul" sendo duramente criticados, e isso redimiria qualquer Muller de qualquer coisa.
A Wayne Enterprises continua a não ter grandes relevâncias em termos sociais. Ou não é ciada ou faz "caridade" em projetos sociais, e a verve das Mega-corporações, típica de Cyberpunk, é assim ignorada.

Os políticos são vistos como pessoas manipuladas, fracas ou indecisas,  e sofrem uma crítica aqui bastante severa em termos de escolhas pelos direitos humanos, sobretudo porque os criminosos, em especial a Gangue dos mutantes, é descrita como algo próximo de animais.

A sexualidade é outro tema espinhoso. O Batman de BCV é "espada". Traçou a Selina no passado, tem uma adolescente como sidekick (afastando esta versão da do Batman dos seriados dos anos 1960) e "Bat" o pau na mesa (desculpem o trocadilho, não resisti, hehehe). Coringa e o Chefe dos Mutantes são homossexuais. Coringa é afetado e, salvo algum engano, aparece um namorado do mutante em algum momento. A sexologa Sue
Johanson, uma das maiores autoridades mundiais em sexualidade , e com um programa sobre o tema, também é caricaturizada aqui como uma especialista em sexo um tanto obssessiva. Nada contra. Gosto dela e ela faz um bom trabalho, mas é divertido ver uma brincadeira bem-feita.

Não esquecendo os pais de Carrie Kelley, a "Robin" da aventura, cujos pais, de esquerda, além de criticarem a truculência de Batman, são definidos de certo modo como hippies fora de moda, maconheiros e pais não exatamente atentos.


 Mas, minha opinião, Frank Miller ainda não tinha sofrido do que é chamado de "Brain Eatter", e boa parte das críticas tem duas mãos, inclusive podendo serem lidas como uma boa ironia, sem danos de fato. Vulgo, o fato de um violento Batman resolver a deliquência e  o terrorismo usando os punhos, mas em um corpo envelhecido, falam mais do envelhecimento dessa "linha dura", que só é possível alcançar resultados via ficção em um mundo bem mais complexo, do que exatamente funcionam como proposta séria. Vulgo, é só um gibi, e ainda pode ser aproveitado enquanto narrativa.

Estética:
A temática urbana, de uma cidade que engole as pessoas e as tritura, central em boa parte da literatura cyberpunk, permanece forte, e dá uma espinha dorsal ao gibi suficiente para considerá-lo cyberpunk, no entanto.


BCV, portanto, é um Cyberpunk sem o punk e sem cyber, mas ainda assim pertence ao gênero, porque sua estética é totalmente cyberpunk. A melhor forma de descrever isso é a gangue dos mutantes.

O visual "punk" das roupas, os óculos "de ciclope" que acompanhavam boa parte das ilustrações e histórias cyberpunk, a falta de perspectivas resultando em uma cultura de ultra-violência e o desrespeito pelas autoridades são típicas de gangues cyber. Espinhos implantandos na pele e ameaçadores dentes afidados em uma espécie de "Reconstrução Corporal", fora a prória escolha de "mutantes", simbolizando pessoas que deixaram a condição meramente humana.

Ao mesmo tempo, a cidade. Enorme, calorenta, com arranha-céus que parecem servir apenas para trazer uma diominuição das pessoas em uma selva urbana, as roupas futuristas de policiais, e apropria armadura hightech que ele usa ao enfrentar o "escoteirão". 

Há também a onipresença da mídia a cada poucas páginas (fórmula usada também em
Robocop) sendo "sutilmente" coagida a não dar esta ou aquela informação.  A unica forma de comunicação livre é o boca-a-boca (o gibi não faz bom uso da INTERNET, coisa que ainda era pouco difundida em obras e subvalorizada em algumas obras - possivelmente o ponto mais negativo  ao se tratar de Batman como uma obra cyberpunk).

E há o Duas-Caras figura que , tendo sido desconfigurado no passado, passa a ter uma  ao mesmo tempo simboliza a dualidade e os conflitos entre ser um monstro ou um paladino, entre o belo e o grotesco, e sofre do que em Cyberpunk 2020 é chamado de "cyber-psicose, um desligamento empático com outros seres humanos a partir de mudanças corporais.

E sim pode parecer forçado aqui, mas o fato é que há um temor primordial a partir das cicatrizes, a ausência de um rosto ou corpo humano que é aproveitada tanto  em diversas histórias de terror (Jason, Freddy Kruegger, Massacre da Serra Elétrica, Hellraiser e por aí vai), como é uma temática central em cyberpunk, ainda que no caso o que "desfigura a alma" possa ser não uma imperfeição, mas exatamente a ausência dela. E afinal, o rosto de Harvey está perfeito, mas não-condizente com sua "alma" de monstro, o que poderia ter ajudado ele a surtar mais rapidamente.

Violência:
São quatro os gibis da obra, cada um com um inimigo central. Todas as questões primordiais resolvidas em porradaria (o que é esperado, afinal é o Batman). Mas a cidade é toda ela uma "zona de guerra", um local onde a polícia mal consegue sobreviver nas ruas e onde cada saida para comprar leite ou ir a um fliperama traz consigo um perigo mortal.

O bat-carro é agora um tanque. Algo "mais adequado" para a zona de gurra que Gotham é na maior parte do tempo. E aparentemente quase todo mundo "exceto os civilizados ou os tolos- ambos a mesma coisa em Gotham" portam armas de fogo.

Nesse ambiente os jovens "mutantes" passam de gangue desorganizada a uma organização paramilitar. Que, para benefício de Muller, pelo menos também comete seus excessos, ainda que o problema seja minimizado pelo autor.
A juventude é uma força a ser temida em cyberpunk, tanto quanto os poderes economicos, porque surgem com novas soluções para velhos problemas e porque, em vez de precisarem se adaptar a um novo meio economico/ tecnológico, são nascidos e criados ali e capazes de fazer usos que sabotam o mainstrean contra si mesmo.

A solução criada por Muller, no entanto, é um bocado perigosa, porque historicamente, quando  um bando de jovens uniformizados organizados  e com um lider carismáticos se reunem para "pregar a ordem social" (e os bons costumes) em uma estrutura do gênero, costuma dar, usando o bom português, em uma baita de uma merda.

Apesar disso, como é um gibi, a coisa funciona e a liderança de Batman resolve  o problema, conduzindo as mentes dos jovens (agora não mais animais selvagens, mas bichos devidamente domesticados).


Em resumo: Com tudo isso que disse, posso dar a falsa impressão de NÃO gostar do gibi. Ao contrário, eu adoro ele, mesmo com essa verve conservadora, ou apesar dela. Afinal é um gibi do Batman, e seria esquisito ver um Batman anarquista ou defensor de direitos civis. É escapismo, e nele tudo vale.

Fora isso BCV é cyberpunk, sim. Talvez em um grau menor do que Digital Justice (que escrevo sobre um dia desses)

Parte 2: Breve texto sobre Gotham como cenário cyberpunk.

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