domingo, 4 de agosto de 2013

Cyberpunk e Neo-Lamarckistas, e Porque não Podemos Abrir Mão da Tecnologia


Vira e mexe vejo alguém metendo o malho na "dependencia extrema" de seres-humanos da tecnologia.

É uma das maiores besteiras alegadamente profundas que alguém pode dizer.

Evidentemente que não precisamos ser "dominados" pela tecnologia, a ponto de parearmos nosso ego com o tamanho da definição de nossos celulares, mas há de se convir que a tecnologia, em si, é fundamental em nosso cotidiano.

Não somos a espécie mais rápida, mais forte ou mais organizada socialmente. Grandes felinos, gorilas e abelhas ganham facilmente do Homo Sapiens Sapiens nestes quisitos, por exemplo.

Nossas unicas vantagens de sobrevivência são nossa boa capacidade cognitiva, nossas habilidades de comunicação e destreza manual. Ironicamente, nada disso realmente serve individualmente para sobrevivermos na selva.

A não ser, é claro que apontar uma pegada e dizer "Cuidado com o Tigre!" conte.

Mas em cnjunto estas capacidades nos permitem uma adaptação tremenda ao meio ambiente. Mais do que isso, nos permite adaptar O MEIO AMBIENTE às nossas necessidades.

Se uma região não tem cavernas, juntar um monte de pedras é extremamente útil para se construir uma. Se nosso couro não aguenta mais uma era glacial, nos metermos debaixo das grossas peles de um urso é um quentinho e tanto.

E se não temos dentes muito afiados, usar aquela madeira pontiaguda para ferir uma zebra não é uma idéia tão ruim.

Sejamos francos, é por criarmos tecnologia que estamos aqui hoje em dia usando um computador, ainda que  o caminho tenha sido longo.

É aí que entra um problema:
Adeptos da neo-genética desembestada enxergam tudo como estratégias de sobrevivência, nas quais os GENES usam a nós como "veiculos" para se multiplicarem, resultando no que Donna Haraway chama de "fetichismo do gene".

Essa inversão é tão tola quanto dizer (a sério) que "a galinha foi a melhor forma que o ovo encontrou de se reproduzir".

Dados os devidos descontos, mesmo o conceito de "Meme", também presente no interessante "Gene Egoísta" de Dawkins pode ser um pouco exagerado se levado ao pé da letra.

E por mais que por vezes me irrite com algumas falas mais exageradas de grupos ambientalistas (só algumas, mas acontece), é preciso um certo cuidado no uso desenfreado e irrestrito de toda e qualquer tecnologia, já que o esforço para tornar  o inóspito em hóspito em geral tem um custo a médio e longo prazo bem mais caro.

Mas voltemos a Darwin e Lamarck.

Jean-Baptiste de Lamarck foi o criador de uma idéia original e bem-pensada, ainda que muito
errada, sobre a forma como as espécies sofreriam mudanças ao longo dos tempos.
O lamarckismo pregava  o seguinte: que as necessidades e esforços dos animais em vida eram transmitidas às futuras gerações ainda em vida no ato da reprodução. Ou seja, que uma girafa que tentasse esticar  o pescoço em demasia, alongando-o, teria um filho com um pescoço um pouco mais cumprido, e assim por diante.

O genial Charles Darwin percebeu que  a explicação era um pouco mais complexa, e criou a teoria da Seleção Natural (teoria essa aceita e comprovada, por mais que criacionistas esperneiem).

A seleção natural diz o seguinte: Que uma característica, nova ou pré-existente em uma espécie pode aumentar ou diminuir as chances reprodutivas da mesma. Por exemplo, um passaro de bico torto pode não conseguir comer as mesmas frutas que seus irmãos e primos, mas pode consgeguir comer um inseto qualquer, e no final, explorar uma fonte de alimento sem competidores, tendo mais energia para correr atrás de fêmeas e assim ter uma geração seguinte com mais passaros de bicos tortos. e assim por diante.

O problema é tentar usar a teoria darwinista, pura, em cima da cultura humana.

Primeiro, tivemos a podridão vitoriana do "Darwinismo social" que tentava justificar atrocidades socias usando conceitos de "seleção natural". Além de Darwin falar sobre biologia, e não sobre sociologia, era uma desculpa esfarrapada de uma releitura para se substituir  o "direito divino" de ser um nobre babaca no "direito evolutivo" de ser um burguês babaca.

Além disso, tivemos algumas aberrações, como o nazismo, que roubava idéias do darwinismo para justificar atrocidades sem fim - atrocidades estas que seriam cometidas de qualquer maneira, mas que se faziam de "racionais" deturpando conceitos de biologia.

Mais adiante no seculo XX tivemos o uso da grandessíssima canalha Tatcher estuprando conceitos como "Gene Egoista" para justificar suas políticas desumanas, e uma série de pesquisadores do sexo masculino batendo seus grossos curriculos na mesa e defendendo posições machistas, como o de que a mulher deva ser biologicamente programada para ser fiel e busca poucos parceiros, (assim como um óvulo),  enquanto que, mal aí, nós vamos sair por aí espalhando nossos girininhos safados, conhecidos como espermatozóides.
Cartaz criticando a multinacional Monsanto
Vulgo: Darwin e sua seleção natural estavam corretos, mas como qualquer ferramenta precisa  ser bem aplicada, ou dá nhaca.

É ai que entra um outro conceito: Nossa espécie não "responde" somente a seleção natural, mas é complexa  o suficiente para se enquadrar no, diguemos assim "neo-lamarckimo"

Explico: Não transmitimos "genes" de braços cumpridos para mudar o canal da TV, mas criamos controle remoto. Não alongamos nossos braços para pegar uma fruta, mas aprendemos (e ensinamos) os rudimentos de uma escada para isso.

O que nos diferencia de outras espécies é nossa capacidade de adaptação ao meio-ambiente, de adaptação do meio-ambiente às nossas necessidades (por exemplo, plantaçoes de alimentos), e, sobretudo, de transposição destas adaptações para novos ambientes.

Um castor pode saber construir uma represa. Ok, felicidades. Mas ele não sabe aplicar este conhecimento na construção de um muro que  o isole de um predador, por exemplo. Um bonobo pode saber usar uma vareta para cutucar um galho, mas não consegue visualisar uma série de galhos sobrepostos para fazer uma ponte e ultrapassar um rio (bonobos, assim como chimpanzés, são nadadores muito ruins).

Somos neo-lamarckistas. E isso diz muito sobre a importância da tecnologia em nossas vidas.

Quando penso em cyberpunk, penso sempre nisso: A tecnologia pode moldar nosso ambiente, mas também pode moldar nossos corpos para além dos sonhos mais malucos de Darwin ou de Mendel e suas ervilhas.

Sob vários aspectos, já somos todos cyberpunk.

Já usamos próteses dentarias, já fazemos cirurgias de reconstrução ocular, permitindo uma melhor visão, já temos atletas olimpicos usando proteses em membros, cardiacos com marca-passos e orgãos sintéticos.

Já vivemos em um ambiente natural que nos rodeia, mas antes, expandimos nossos territórios a ponto de nós rodearmos os territórios naturais, com reservas e parques.

Já vivemos em uma era de informação estonteante, de mudanças sociais tão rápidas que revoluções de comportamento ocorridas há 15 anos, com a popularização da internet, são hoje em grande parte desconhecidas ou esquecidas (vide disquetes, por exemplo, ou salas de chat).

E também já obervamos uma época de grandes corporações querendo privatizar sementes nativas ou o brócolis.

Culpar a tecnologia em si por tudo isso não adianta, porque a tecnologia é o nosso meio-ambiente. O que se pode fazer é aprendermos a usar cada vez melhor esta tecnologia e utilizá-la em prol de nossos interesses, individuais e sociais, como redes sociais no combate ao autoritarismo na mesma medida que o autoritarismo deseja brincar de Grande Irmão.

A Tecnologia é nossa essência.





Recomendo para leitura e reflexão:

-Psichée e Technée (Umberto Galimberti)

-Manifesto Cyborg (Donna Haraway)

Ps:  (Este texto é um esboço. Você pode melhorá-lo deixando sua opinião na folha de respostas, mas não sendo chato. Nenhuma das idéias do texto são minhas, mas algumas delas já nem lembro mais onde eu li. De qualquer forma, ele é uma reflexão sobre ser-humano e tecnologia, não um texto para  o nobel)

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